sábado, 25 de agosto de 2007

Um ensaio sobre a cultura do silêncio


Porque nasci aos brados, continuo veemente e alço a voz para viver numa sociedade melhor onde a arte ocupe o lugar que merece. Portanto, vou fazer a minha estreia no universo dos blogs com um ensaio, protestando, refletindo, soltando o verbo, sendo ousado e profundamente crítico no intuito de despertar (ou perturbar) a consciência dos líderes políticos sem visão que olham para os artistas com o rabo do olho; vou falar de cultura. Da cultura do silêncio. 

 “Um país não muda pela sua economia, sua política e nem mesmo pela sua ciência; muda sim pela sua cultura. "

Herbert “Betinho” de Souza 


A Cultura não pode ser concebida como um conjunto de manifestações artísticas, senão como um processo de formação humana que nos permite reconhecermos como seres culturais, individual e coletivamente. O Homem age culturalmente segundo as formas materiais e espirituais do grupo social no qual atua e se comunica. Em princípio, estas formas primordiais estão determinadas pela geografia, o clima e pelas experiências coletivas herdadas do passado e que, por sua vez, serão transmitidas simbolicamente para a seguinte geração.

Agir culturalmente significa reconhecer a existência de saberes, olhares e lógicas diferentes entre si que devem ser valorizadas e resgatadas do passado e do presente, como um patrimônio material e imaterial de e para a comunidade, que permita reconhecermo-nos como parte de um processo dinâmico de transformação, para ser parte dele e expressarmo-nos coletiva e individualmente. “O mutismo –afirmava Paulo Freire- não é propriamente a inexistência de respostas. É uma resposta que lhe falta um tenor profundamente crítico”. 

A cultura é vista como parte da política, sendo que a política é uma mínima fração da cultura. Nossa forma de agir politicamente, de expressarmos e pensar, administrar, ver e educar; enfim, a cultura está refletida em nosso comportamento social. Não obstante a isso, a nível oficial, por falta de um olhar crítico prolonga-se a cultura do silêncio e os artistas que emergem do povo, que expressam em sua arte essa conduta social, são vistos através do prisma cartesiano como românticos, boêmios; como se fossem incapacitados sociais, sem profissão nem dignidade, sem espaços para a construção. Inclusive aqueles poucos que comungam com o poder e alcançam um determinado nível de prestigio, são vistos da mesma forma. As secretarias de estado e entes autárquicos trabalham de forma ilhada como se pertencessem a países diferentes, sem ordem, discernimento ou pluralismo na análise e formalização de projetos artístico-culturais. 

A Cultura como responsabilidade pública e social 

Contrariando esta definição, o poder público do Estado considera a cultura como um elemento supérfluo, meramente decorativo na dinâmica construção da nossa sociedade. Fatores mais imediatos costumam ter absoluta prioridade e as ações culturais acabam sendo relegadas para um segundo plano. A política cultural se circunscreve a uma reduzida facção pretensamente ilustrada, colocando em xeque o conjunto da sociedade e prejudicando todas as atividades e oportunidades dos diversos grupos, associações e artistas paranaenses em geral. 

Os espaços e as verbas públicas longe de ser representativas e pluralistas sempre se acomodam às exigências e imposições emanadas de uma elite interdependente, acomodada e submissa, a um grupo fechado de intelectuais metropolitanos, que, procura obter vantagens para os seus integrantes.Nestes moldes, pretende-se limitar as expressões culturais submetendo-as à lógica dos benefícios e ganâncias meramente políticas. Desta forma, o contorno do mapa cultural paranaense se debilita ou apaga toda vez que a grande maioria dos produtores culturais se vê excluída, sem possibilidades concretas de serem inseridos para tomar parte ativa nas decisões do âmbito cultural, seja através de projetos ou propostas. 

O estado da política do Estado 

A Secretaria de Estado da Cultura como órgão oficial, em lugar de abranger com amplitude, tem se tornado um espaço hermético, com dirigentes carentes de visão e de abertura, que tentam monopolizar as expressões artísticas adequando-as a cada gestão, menosprezando assim o esforço humano dos profissionais das diferentes áreas que, na ausência de verbas próprias e de apoio oficial tácito, se veem marginalizado, postergando suas criações e projetos. 

Este agir fechado gera um grande deterioro provocando um enorme distanciamento entre os artistas locais e o conjunto da sociedade. As consequências deste distanciamento são graves: o teatro, as artes plásticas, a música, a literatura, a dança e o artesanato do interior do Estado não atingem o público da capital e em lugar de serem considerados bens sociais, são tratados pelos dirigentes como uma carga pesada. Considerando tão estreita perspectiva, é fácil deduzir os motivos do minguado estímulo que a comunidade artística dos 399 municípios do Paraná recebe do governo estadual. 

Nesse injusto marco, sempre carente de uma política séria que democratize e pluralize a cultura, respeite as diferenças e trabalhe em prol de uma integração, o âmbito cultural está fadado ao estancamento. Em geral, os objetivos dos dirigentes são bastante nítidos já que o rol destes dirigentes é o de manter um número limitado de projetos e eventos. Tal precariedade é atribuída a um problema técnico-econômico, mas, em realidade, trata-se de uma questão de características nitidamente políticas. Eis aí o motivo principal pelo qual historicamente são nomeados diretores inexperientes que ocupam cargos políticos, cujo despreparo frequentemente é criticado. Estes, ademais de desvirtuar e inibir os projetos, tolher as propostas e desatender à grande maioria dos trabalhadores da cultura, dificultam o uso dos espaços vitais; não fornecem as estruturas necessárias para albergar e exercer a ampla variedade das manifestações artísticas, nem permitem ou apoiam a construção de alternativas válidas, coibindo o direito ao pleno exercício da cidadania. 

A cultura como espaço para a recuperação da palavra silenciada 

A Secretaria de Estado da Cultura ademais de ser utilizada como um local de privilégios cada vez mais estreitos e elitistas vem sendo usada como entidade de ação social cujo papel é brindar assistencialismo aos bairros mais pobres, não para garantir o pluralismo real na planificação e manejo deste órgão, senão para declamar uma inexistente participação das atividades culturais nas comunidades mais carentes. 

Pouco ou nada se discute publicamente o papel do Estado em relação à cultura. Raramente se debate seriamente sobre a necessidade de incluir as vozes dos distintos grupos étnicos e sociais, respeitando as diferenças, e assim promover o diálogo de conhecimentos e experiências no intuito de propulsar políticas culturais democráticas, formadoras de cidadãos participativos, críticos, que entendam e defendam a diversidade para a dinâmica construção de uma identidade pluralista. Pelo contrário, em lugar do debate aberto, promovesse a discriminação, a xenofobia e o racismo. Desta maneira, o Paraná acentua sua condição de arquipélago de ilhas culturais isoladas entre si, sem um panorama claro nem propostas de inclusão. 

Do ponto de vista sócio-cultural é a pugna entre a pluralidade que deseja se expressar e a homogeneidade estéril que silencia os sonhos e as vozes da grande maioria. 

Educação e Cultura 

A aliança que existe entre cultura e educação tem como prioridade imaginar, e sonhar para logo idealizar meios para realizá-los. O valor simbólico da cultura fertiliza o processo civilizatório, dos valores às leis, da política à própria vida. O legado do colonizado, a exclusão social e a elitização da cultura estão vinculadas com o futuro da produção artística e ao que a educação lhe reservar. A cultura é dependente da educação e vice-versa. 

Se ambas não cumprirem a sua missão, as manifestações artísticas oscilam ou são abaladas. Portanto, não podemos pensar a educação sem a cultura, nem a cultura sem a educação. Resta ao artista o desanimo por sua obra não chegar ao público, não o emocionar nem aguçar sua imaginação; não o humanizar nem o levar a pensar. Produtores culturais, criadores e criações perdem a sua função, a público desprovido de arte empobrece culturalmente. 

 As obras não circulam, se reduz o público nos teatros e minguam os consumidores de arte; não se incentiva a produção artística, cujo custo torna aos artistas economicamente dependentes do governo, suscetível à discriminação política ou à adequação estética – cabendo-lhe inibir a sua própria audácia. Tais condições negam ou interferem nos direitos inalienáveis para o exercício de uma cidadania democrática. 

 "O maligno espelho do benigno juiz substituto", obra da minha autoria que escolhi para ilustrar este ensaio.  

Miguel Hachen | Neoguarani

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